Sim, é isso mesmo que você leu no título. A corrupção é inevitável. Ela sempre existiu e sempre vai existir enquanto existir algum grupo com mais poder do que o outro. Portanto, acostume-se com a ideia:
É impossível acabar com a corrupção.
Mas (ufa!), é possível sim acabar com a corrupção sistêmica, desde que você aceite a sua inevitabilidade.
O que é corrupção?
Primeiro, vamos entender exatamente o que é corrupção dentro do contexto político. Corrupção é a utilização de algum poder - seja informação privilegiada, posição política, cargo importante público ou privado - em benefício próprio ou de um grupo afim. Essa utilização pode ser ativa (o dono do poder agiu diretamente para obter o benefício) ou passiva (o dono do poder aceitou benefícios que terceiros lhe ofereceram em troca do uso do seu poder).
Exemplos são fartos: subornos, licitações públicas que são fachadas para contratos pré-negociados, caixa 2, empregados fantasmas, nepotismo, obras irregulares, só para citar alguns.
Por que ela é inevitável?
Você já usou um aplicativo de celular ou um programa de computador que vivia dando problema e você tinha que reiniciá-lo o tempo todo? Se já, então deve ter ouvido a palavra bug. Bug é o nome que se dá a defeitos em programas de computador. E assim como a corrupção, eles são inevitáveis.
Existem programas muito bons, que são praticamente livres de bugs, mas todo programador sabe que isso é apenas uma ilusão. Um programa ou tem bug ou está faltando funcionalidades. E a medida que o código do programa cresce, fica cada vez mais difícil evitar que eles aparacem.
A corrupção é o bug da vida real: enquanto existir poder, sempre vai existir algum grupo ou indivíduo que irá abusar dele para obter benefícios. E quanto mais gente tem poder, mais fácil para a corrupção se disseminar.
Mas programadores possuem uma ferramenta essencial para que bugs sistêmicos - bugs que acontecem porque eles não possuem controle sobre o código - contaminem o programa: testes automatizados.
Testes automatizados são criados juntos com o programa e são executados constantemente para que defeitos sejam encontrados rapidamente e consertados. Programas que possuem testes tendem a ter menos bugs do que programas sem testes. Isso não os torna livres de problemas, mas evita que eles se tornem crônicos.
A característica mais importante dos testes é que eles medem algo concreto e quando falham é porque o que foi medido não correspondeu as expectativas.
Agora, voltemos a corrupção. Se você aceitar que, assim como bugs, a corrupção é inevitável, precisamos de algo que seja o equivalente aos testes automatizados para combater a corrupção sistêmica.
A solução é a burocracia eficiente
Ok, tenho certeza que não era isso que você esperava ler. Mas a verdade é que os testes automatizados de que falei são uma forma de burocracia. Tanto que muitos programadores tem preguiça de escrevê-los e muitos escrevem poucos testes apenas para “se livrarem” da tarefa.
Não é incomum que em programas com poucos defeitos a quantidade de código escrito para testes seja maior que a quantidade de código escrito para o programa. Testes tem seu custo burocrático mas como são fáceis de automatizar compensam a curto, médio e longo prazo.
No mundo real, as leis e regulamentações são a forma de controle de corrupção. O problema é que eles são apenas regras de como agir e muitas vezes nem focam em medir algo concreto que possa identificar possíveis fraudes. Isso resulta em um processo moroso para auditar e depois, se necessário, investigar os envolvidos.
Portanto, burocracia eficiente seria aquela que facilite a constatação constatar fraudes.
Obviamente é mais fácil escrever o que fazer do que realmente fazer algo, então eu irei propor uma solução para um tipo de problema: financiamento de campanha com caixa 2.
Mas antes, uma ressalva: Eu não sou advogado, nem contador, nem tenho a menor experiência com administração pública ou privada. Sou apenas um programador que acha que pode ajudar a resolver um problema, É bem possível que a solução que eu apresente não seja factível, seja por questões legais ou porque o mundo real é bem mais complicado mesmo. Portanto, aproveitam a caixa de comentários para criticá-la extensivamente.
Conta partidária para campanha (CPPC)
A CPPC é um tipo especial de conta corrente para uso exclusivo de financiamento de campanha. Ela possui as seguintes características:
- Saques e depósitos em espécie e por cheques não são permitidos.
- Transferências só podem ser feitas tendo ela como origem ou destino se elas forem identificadas com o CPF/CNPJ do titular da outra parte envolvida na transação.
- Só é possível efetuar pagamentos via cartão de débito ou de crédito
- A movimentação é pública: qualquer cidadão pode pedir um extrato dessa conta.
Vamos analisar as características individualmente.
Saques e depósitos em espécie e por cheques não são permitidos
O objetivo aqui é impedir o uso não identificado do dinheiro.
Ao negar saques, não é mais possível apresentar uma nota fiscal que não tenha uma movimentação identificada com CPF/CNPJ correspondente.
Ao impedir depósito em espécie, não é mais possível conseguir doações anônimas.
Impedir depósitos via cheque é um pouco mais sutil, porque o cheque em si é um identificador. Mas acontece que existe um “mercado de cheques”, onde cheques são repassados entre factorings, que torna difícil identificar a intenção de pagamento original.
Transferências identificadas
O objetivo é sempre ter um rastro de origem do dinheiro. Como agora toda entrada e saída de dinheiro possui um identificador, fica mais fácil identificar laranjas e empresas de fachada.
Pagamentos exclusivamente via cartão de débito ou crédito
É quase a mesma regra anterior: transações via cartão deixam rastros identificáveis e portanto permitem identificação mais eficiente de laranjas e empresas de fachada.
A movimentação é pública
O objetivo é que não só apenas órgãos de governo sejam capazes de realizar auditorias nessa conta. Embora o número de partidos seja relativamente pequeno do ponto de vista de auditoria, permitir “crowdsourcing” da auditoria deixaria os partidos bem mais cautelosos.
Porque isso funciona
O fato de todas as transações serem rastreáveis permite que a prestação de contas seja mais eficiente: se existe uma transação sem nota fiscal, o partido precisa explicar por que deu dinheiro para alguém. E se existe nota fiscal sem transação, é porque ela foi feita em espécie e agora o partido precisa justificar a origem desse dinheiro.
Com isso, fica difícil justificar a ausência de notas para pagamentos frequentes (passagem, combustível, aluguel de veículos, hotéis, alimentação) ou pagamentos de grandes transações (aluguel de aviões/helicópteros, produção de vídeos e programas de rádio).
Mesmo para os valores pequenos é difícil justificar o uso frequente de dinheiro em espécie e partidos que se utilizem disso terão uma auditoria ainda mais detalhada.
Fica mais trabalhoso também utilizar empresas de fachada ou laranjas para doarem dinheiro para a campanha. Como é tudo rastreável e público, qualquer pessoa pode agora checar se o ente doador existe e se fez a doação de forma consciente. E se for uma empresa, é fácil checar a quanto tempo ela existe, quem são seus donos, o endereço de operação. Tudo isso enquanto a campanha está sendo feita, não apenas ao final.
O que isso não evita
Ainda é possível fazer pagamentos em espécie ou via outra conta não declarada e não apresentar notas fiscais para valores menores. Por exemplo, ainda é possível pagar por panfletos em espécie e não declarar, já que são de baixo custo. Ou até mesmo pagar pessoas para ficar distribuindo esses panfletos com dinheiro de caixa 2.
O que mudou?
Ao associar rastreabilidade com movimentação pública e prestação de contas, a motivação para fazer caixa 2 diminui drasticamente, já que limita-se mais a infrequentes e pequenas somas. Se você não consegue mais custear as grandes somas, não vale mais a pena correr o risco de fazer caixa 2.
Tenho certeza que existem falhas nessa solução, portanto aproveitem o espaço de comentários para criticar e discutir. E deem as suas idéias de “testes automatizáveis” para acabar com a corrupção sistêmica também.