quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A inevitabilidade da corrupção

Sim, é isso mesmo que você leu no título. A corrupção é inevitável. Ela sempre existiu e sempre vai existir enquanto existir algum grupo com mais poder do que o outro. Portanto, acostume-se com a ideia:


É impossível acabar com a corrupção.


Mas (ufa!), é possível sim acabar com a corrupção sistêmica, desde que você aceite a sua inevitabilidade.

O que é corrupção?

Primeiro, vamos entender exatamente o que é corrupção dentro do contexto político. Corrupção é a utilização de algum poder - seja informação privilegiada, posição política, cargo importante público ou privado - em benefício próprio ou de um grupo afim. Essa utilização pode ser ativa (o dono do poder agiu diretamente para obter o benefício) ou passiva (o dono do poder aceitou benefícios que terceiros lhe ofereceram em troca do uso do seu poder).


Exemplos são fartos: subornos, licitações públicas que são fachadas para contratos pré-negociados, caixa 2, empregados fantasmas, nepotismo, obras irregulares, só para citar alguns.

Por que ela é inevitável?

Você já usou um aplicativo de celular ou um programa de computador que vivia dando problema e você tinha que reiniciá-lo o tempo todo? Se já, então deve ter ouvido a palavra bug. Bug é o nome que se dá a defeitos em programas de computador. E assim como a corrupção, eles são inevitáveis.


Existem programas muito bons, que são praticamente livres de bugs, mas todo programador sabe que isso é apenas uma ilusão. Um programa ou tem bug ou está faltando funcionalidades. E a medida que o código do programa cresce, fica cada vez mais difícil evitar que eles aparacem.


A corrupção é o bug da vida real: enquanto existir poder, sempre vai existir algum grupo ou indivíduo que irá abusar dele para obter benefícios. E quanto mais gente tem poder, mais fácil para a corrupção se disseminar.


Mas programadores possuem uma ferramenta essencial para que bugs sistêmicos - bugs que acontecem porque eles não possuem controle sobre o código - contaminem o programa: testes automatizados.


Testes automatizados são criados juntos com o programa e são executados constantemente para que defeitos sejam encontrados rapidamente e consertados. Programas que possuem testes tendem a ter menos bugs do que programas sem testes. Isso não os torna livres de problemas, mas evita que eles se tornem crônicos.


A característica mais importante dos testes é que eles medem algo concreto e quando falham é porque o que foi medido não correspondeu as expectativas.


Agora, voltemos a corrupção. Se você aceitar que, assim como bugs, a corrupção é inevitável, precisamos de algo que seja o equivalente aos testes automatizados  para combater a corrupção sistêmica.

A solução é a burocracia eficiente

Ok, tenho certeza que não era isso que você esperava ler. Mas a verdade é que os testes automatizados de que falei são uma forma de burocracia. Tanto que muitos programadores tem preguiça de escrevê-los e muitos escrevem poucos testes apenas para “se livrarem” da tarefa.


Não é incomum que em programas com poucos defeitos a quantidade de código escrito para testes seja maior que a quantidade de código escrito para o programa. Testes tem seu custo burocrático mas como são fáceis de automatizar compensam a curto, médio e longo prazo.


No mundo real, as leis e regulamentações são a forma de controle de corrupção. O problema é que eles são apenas regras de como agir e muitas vezes nem focam em medir algo concreto que possa identificar possíveis fraudes. Isso resulta em um processo moroso para auditar e depois, se necessário, investigar os envolvidos.


Portanto, burocracia eficiente seria aquela que facilite a constatação constatar fraudes.


Obviamente é mais fácil escrever o que fazer do que realmente fazer algo, então eu irei propor uma solução para um tipo de problema: financiamento de campanha com caixa 2.


Mas antes, uma ressalva: Eu não sou advogado, nem contador, nem tenho a menor experiência com administração pública ou privada. Sou apenas um programador que acha que pode ajudar a resolver um problema, É bem possível que a solução que eu apresente não seja factível, seja por questões legais ou porque o mundo real é bem mais complicado mesmo. Portanto, aproveitam a caixa de comentários para criticá-la extensivamente.

Conta partidária para campanha (CPPC)

A CPPC é um tipo especial de conta corrente para uso exclusivo de financiamento de campanha. Ela possui as seguintes características:


  1. Saques e depósitos em espécie e por cheques não são permitidos.
  2. Transferências só podem ser feitas tendo ela como origem ou destino se elas forem identificadas com o CPF/CNPJ do titular da outra parte envolvida na transação.
  3. Só é possível efetuar pagamentos via cartão de débito ou de crédito
  4. A movimentação é pública: qualquer cidadão pode pedir um extrato dessa conta.


Vamos analisar as características individualmente.

Saques e depósitos em espécie e por cheques não são permitidos
O objetivo aqui é impedir o uso não identificado do dinheiro.


Ao negar saques, não é mais possível apresentar uma nota fiscal que não tenha uma movimentação identificada com CPF/CNPJ correspondente.


Ao impedir depósito em espécie, não é mais possível conseguir doações anônimas.


Impedir depósitos via cheque é um pouco mais sutil, porque o cheque em si é um identificador. Mas acontece que existe um “mercado de cheques”, onde cheques são repassados entre factorings, que torna difícil identificar a intenção de pagamento original.

Transferências identificadas

O objetivo é sempre ter um rastro de origem do dinheiro. Como agora toda entrada e saída de dinheiro possui um identificador, fica mais fácil identificar laranjas e empresas de fachada.

Pagamentos exclusivamente via cartão de débito ou crédito

É quase a mesma regra anterior: transações via cartão deixam rastros identificáveis e portanto permitem identificação mais eficiente de laranjas e empresas de fachada.

A movimentação é pública

O objetivo é que não só apenas órgãos de governo sejam capazes de realizar auditorias nessa conta. Embora o número de partidos seja relativamente pequeno do ponto de vista de auditoria, permitir “crowdsourcing” da auditoria deixaria os partidos bem mais cautelosos.

Porque isso funciona

O fato de todas as transações serem rastreáveis permite que a prestação de contas seja mais eficiente: se existe uma transação sem nota fiscal, o partido precisa explicar por que deu dinheiro para alguém. E se existe nota fiscal sem transação, é porque ela foi feita em espécie e agora o partido precisa justificar a origem desse dinheiro.


Com isso, fica difícil justificar a ausência de notas para pagamentos frequentes (passagem, combustível, aluguel de veículos, hotéis, alimentação) ou pagamentos de grandes transações (aluguel de aviões/helicópteros, produção de vídeos e programas de rádio).


Mesmo para os valores pequenos é difícil justificar o uso frequente de dinheiro em espécie e partidos que se utilizem disso terão uma auditoria ainda mais detalhada.


Fica mais trabalhoso também utilizar empresas de fachada ou laranjas para doarem dinheiro para a campanha. Como é tudo rastreável e público, qualquer pessoa pode agora checar se o ente doador existe e se fez a doação de forma consciente. E se for uma empresa, é fácil checar a quanto tempo ela existe, quem são seus donos, o endereço de operação. Tudo isso enquanto a campanha está sendo feita, não apenas ao final.

O que isso não evita

Ainda é possível fazer pagamentos em espécie ou via outra conta não declarada e não apresentar notas fiscais para valores menores. Por exemplo, ainda é possível pagar por panfletos em espécie e não declarar, já que são de baixo custo. Ou até mesmo pagar pessoas para ficar distribuindo esses panfletos com dinheiro de caixa 2.

O que mudou?

Ao associar rastreabilidade com movimentação pública e prestação de contas, a motivação para fazer caixa 2 diminui drasticamente, já que limita-se mais a infrequentes e pequenas somas. Se você não consegue mais custear as grandes somas, não vale mais a pena correr o risco de fazer caixa 2.

Tenho certeza que existem falhas nessa solução, portanto aproveitem o espaço de comentários para criticar e discutir. E deem as suas idéias de “testes automatizáveis” para acabar com a corrupção sistêmica também.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Vem aí a PEC 2469/2013 para acabar com práticas anti-cristãs

Outro dia encontrei uma imagem que achei bem engraçada:


Eu achei a coisa tão absurda e engraçada que automaticamente compartilhei sem nem checar a fonte.

Um erro craso para alguém que tem um blog sobre quebrar correntes.

Hoje eu revi a imagem e resolvi ir atrás dessa PEC (Projeto de Emenda Constitucional). Primeiro, achei estranho o número tão alto: a maioria das PECs possuem numerações menores, exatamente por não serem tão comuns.

Então procurei pelo número e o máximo que consegui foi a PL 2469/2011, que trata de dar um nome a rodovia BR-465/RJ. Não achei absolutamente nada relacionado ao tweet.

Finalmente, achei o desmentido oficial do Pasto Marco Feliciano, esclarecendo que tal projeto de lei nunca existiu.

Portanto, não se preocupem. Ninguém vai fiscalizar você. E lembrem-se sempre de checarem suas fontes!

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Joaquim Barbosa é contra as cotas #sqn

Está rolando a seguinte imagem pelas redes sociais:


Acontece que essa frase não é de Joaquim Barbosa: ela é um resumo do que o Reinaldo Azevedo disse em um post no seu blog:
No serviço público, no entanto, há de se selecionarem os melhores, independentemente de sua cor, porque eles estarão oferendo sua sabedoria — não se trata de uma fase de formação — ao conjunto dos brasileiros. Qualquer outro critério que não seja a escolha do mais competente é um absurdo em si.

Joaquim Barbosa, na verdade, não só é a favor das cotas raciais, como votou a favor delas na ação do STF. E no seu voto, disse o seguinte:
"Acho que a discriminação, como componente indissociável do relacionamento entre os seres humanos, reveste-se de uma roupagem competitiva. O que está em jogo aqui é, em certa medida, competição: é o espectro competitivo que germina em todas as sociedades. Quanto mais intensa a discriminação e mais poderosos os mecanismos inerciais que impedem o seu combate, mais ampla se mostra a clivagem entre o discriminador e o discriminado", afirmou. 
Para o ministro, daí resulta, inevitavelmente, que aos esforços de uns em prol da concretização da igualdade se contraponham os interesses de outros na manutenção do status quo. "É natural, portanto, que as ações afirmativas – mecanismo jurídico concebido com vistas a quebrar essa dinâmica perversa –, sofram o influxo dessas forças contrapostas e atraiam considerável resistência, sobretudo, é claro, da parte daqueles que historicamente se beneficiam ou se beneficiaram da discriminação de que são vítimas os grupos minoritários", enfatizou.

Atualização 28-Abril-2013 13:20: Um amigo ressaltou que o voto de Joaquim Barbosa foi em favor das cotas em universidades públicas e não no serviço público especificamente. Achei esse artigo no site da unb e no último parágrafo, temos o seguinte:
Sobre a questão das cotas raciais, Barbosa lembrou que se dedicou ao assunto em pesquisa realizada nos Estados Unidos, que resultou no livro Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. O Direito como Instrumento de Transformação Social. A Experiência dos EUA, lançado em 2001. "Jamais imaginei que passados 12 anos, isso viria a decidir o destino de um número considerável de alunos", disse. "Tive a experiência maravilhosa de participar do julgamento no STF que chancelou esse mecanismo de inclusão na sociedade". O ministro afirmou que não está acompanhando no Legislativo a proposição que prevê cotas para negros no serviço público.
Embora não contenha afirmação alguma sobre ser ou não a favor de cotas no serviço público, eu chutaria que ele não se opõe, dado o que ele disse sobre o processo de cotas em geral.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Aumento da energia em Minas Gerais é culpa do Governo Federal!

Essa semana a Cemig veiculou uma propaganda falando sobre quem é responsável pelo aumento das tarifas de energia no Brasil, em particular de Minas Gerais:


O Governo Federal, por sua vez, publicou uma resposta ao vídeo alguns dias depois:


E segundo o Painel (propriedada da Folha de São Paulo):

O Planalto vai reforçar a batalha para evitar que reajustes na conta de luz este ano desmontem o discurso de Dilma Rousseff sobre a redução da tarifa. A gestão petista decidiu partir para cima do governo de Minas e da Cemig pela propaganda em que a estatal de energia mineira responsabiliza o governo federal pela alta de 14% na tarifa elétrica. A AGU vai acionar o Estado governado pelo PSDB na Justiça Eleitoral por uso da máquina pública e no Conar por propaganda enganosa.


quinta-feira, 13 de março de 2014

Neutralidade da rede - Parte 2: Por que ela é importante

Na primeira parte desse post, eu discuti as relações comerciais entre os usuários, os provedores de banda larga e os Backbones, os grandes provedores de internet.

Nesta segunda parte, eu agora discuto a neutralidade da rede dentro desse contexto.

Resumo da primeira parte

  • Usuários pagam aos provedores de banda larga para terem acesso a internet.
  • O valor pago é proporcional ao tamanho da banda disponível.
  • Os provedores, por sua vez, pagam para se conectar aos outros provedores e aos Backbones.
  • A lógica de pagamento é a mesma, porém confiabilidade do canal é um fator tão importante quanto a banda disponível.
  • Os provedores tipicamente vendem mais banda que possuem porque:
    • É caro adquirir/construir/manter um canal maior
    • Na maior parte do tempo, o canal é 100% utilizado

Neutralidade da Rede

Agora que sabemos como funcionam as relações de dinheiro entre usuários, provedores e backbones, eu afirmo o seguinte: nenhuma dessas relações afeta a neutralidade da rede. A razão é que, embora a pagamento seja diferenciado pelo tamanho e qualidade da banda, nenhum aplicativo ou site tem maior ou menor prioridade em enviar ou receber seus pacotes pelo canal. Assim, temos a primeira e mais simples definição de uma rede neutra:

Uma rede é considerada neutra se ela não diferencia (de modo benéfico ou não) os pacotes enviados ou recebidos por um aplicativo ou site.

Novamente, fazendo uma analogia com as rodovias. Embora possam haver rodovias pagas e gratuitas, uma vez que um veículo entrou na rodovia de sua escolha, ele não tem prioridade maior ou menor do que qualquer outro veículo nessa mesma rodovia e portanto, está sujeito aos mesmo benefícios e problemas relacionados ao tráfego.

Veja a seguinte figura de uma casa com acesso a internet e um conjunto de aplicativos que os moradores acessam:



Netflix e YouTube são aplicativos de vídeo; Google é um site de busca; Facebook é uma rede social; WhatsApp é um aplicativo de envio de mensagens e Flickr é um site de fotos. Cada um desses aplicativos possuem necessidades de uso de banda diferente. Aplicativos de vídeo demandam muito mais do que um site de busca, por exemplo.

Mas, como a rede é neutra, nenhum desses aplicativos possui algum privilégio na hora de enviar os seus pacotes. Todos compartilham a banda disponível conforme as suas necessidades de transmissão e se mais de um aplicativo estiver sendo utilizado ao mesmo tempo, ou mais de um usuário estiver acessando a internet, nenhum deles conseguirá ter toda a banda disponível para si.

Com a proliferação de serviços úteis e com cada vez mais dispositivos conectados, é cada vez mais comum que os usuários utilizem (ou queiram utilizar) 100% da sua banda disponível por períodos cada vez maiores.

Quebrando a neutralidade

Priorização de tráfego

Lembra quando eu falei que fazia sentido vender mais banda do que a disponível? Isso continua fazendo sentido, mas agora que a banda contratada pelos usuários está sendo mais utilizada, os usuários percebem que é difícil atingir a velocidade máxima contratada. E reclamam com muita razão.

Para melhorar a experiência do usuário, o provedor pode pagar por um canal maior ou por canais extras que seriam ligados apenas nos momentos de picos e/ou melhorar a qualidade e a manutenção do canal. Uma outra opção seria priorizar o tráfego de determinados aplicativos.

Mais uma vez, a rodovia. O dono da rodovia pode optar por aumentar o número de faixas da rodovia inteira (pagar por um canal maior), criar faixas extras nos pontos de maior tráfego (pagar por canais extras em momentos de pico) ou criar faixas exclusivas para caminhões e ônibus, além das que já existem (priorizar o tráfego).

Priorização de tráfego não é uma idéia nova e não necessariamente quebra a neutralidade da rede. Qualquer pessoa com um pouco de conhecimento de redes e roteadores pode configurar o seu modem/roteador para priorizar os dados de um aplicativo que acessa o seu canal de internet.

Ao contratar canais extras para serem ligados em momentos de pico, muitos provedores aproveitam para mandar os dados vindos de sites volumosos por esses canais, para que a experiência do usuário de outros aplicativos não seja afetada.

Por exemplo, aplicativos de telefonia via internet poderiam ter sua prioridade aumentada em relação a aplicativos de mensagens de texto, porque voz requere transmissão em tempo real, enquanto mensagens de texto podem sofrer atrás de alguns segundos sem prejudicar os usuários, na maiora dos casos.

Na minha opinião, a neutralidade é quebrada quando você oferece aos donos dos sites e aplicativos a possibilidade de pagar por essa priorização. E aí temos a segunda definição de neutralidade de rede:

Uma rede é considerada neutra se a priorização de trafego de dados de aplicativos, quando realizada, tem por objetivo melhorar a experiência de todos os usuários e de todos os aplicativos E não pode ser comprada pelos donos dos aplicativos.

Por comprada, entenda qualquer tipo de relação entre a empresa dona do aplicativo e o provedor de dados em que o usuário é beneficiado de alguma forma.

E mais um exemplo de rodovia. Imagine que a montadora de carros GPSE fizesse uma pareceria com um dono de uma rodovia bastante utilizada, de tal modo que carros da sua marca fossem isentos de pedágio. É fácil ver o benefício para os dono de carro GPSE, mas qual é o impacto disso para as outras montadoras?

Se o motorista utiliza a rodovia com frequência, a sua tendência vai ser a de, quando for trocar de carro, comprar um da marca GPSE. Com isso as outras montadoras perdem vendas e seriam obrigadas a tentarem fazer o mesmo acordo ou outro semelhante para se manterem competitivas.

Eu escolhi montadoras de propósito, porque a imagem que temos delas é de que são grandes e no pior caso, poderiam todas fazerem acordos para evitar que seus clientes troquem a marca dos seus carros.

Trazendo de volta para o mundo da internet, imagine uma pequena empresa que criou um aplicativo novo. No entanto, os seus concorrentes mais estabelecidos firmaram acordos comerciais com os provedores de dados para que seus usuários recebem um desconto na mensalidade do provedor caso acessem suas redes por no mínimo 1 hora por dia, todo dia.

Mesmo que o aplicativo novo seja bom, ele não consegue competir no mesmo nívelcom os seus concorrentes. Se pagar passa a ser uma opção para proteger o seu mercado, há menos incentivos para empresas novas surgirem. A longo prazo, isso acabaria com a inovação na internet.

Conclusão

Parabéns, você conseguiu chegar até aqui! :)

Se você leu o texto inteiro, deve ter entendido que há benefícios imediatos para os usuários de redes onde a rede não é neutra e há grandes benefícios para os donos da redes não-neutras que podem cobrar por serviços diferenciados tanto aos donos de aplicativos como aos usuários.

Mas espero ter lhe convencido que ao quebrar a neutralidade, os benefícios de curto prazo serão esquecidos quando a longo prazo tirarmos da internet a propriedade que a fez ser o que é hoje: a de ser um campo livre onde qualquer pessoa ou grupo que tenha uma idéia e que tenha acesso pode inventar o próximo grande negócio de tecnologia.

Neutralidade da rede - Parte 1: Os usuários e os provedores de Internet

Já que não achei mais correntes estapafúrdias para comentar (mandem as que vocês acharem! :P), resolvi comentar um assunto que está sendo bastante debatido: o marco civil da internet. Especificamente, eu vou tratar da neutralidade da rede e por que ela é essencial para que a inovação na Internet continue acontecendo.

Por ser um assunto bastante extenso e merece ser tratado com cuidado, eu dividi o post em dois. Na primeira parte (esse post), eu discuto as relações de dinheiro entre os usuários, os provedores de banda larga e os Backbones, os grandes provedores de internet.

Na segunda parte, eu trato da neutralidade dentro desse contexto.

A relação entre o provedor e o usuário.

Funciona assim: você contrata um provedor de banda larga PBL1 e paga a ele um valor para ter direito a tantos megabits por segundo de banda. Todo vez que você quer acessar um site ou usar um aplicativo que acesse a internet, o seu computador se conecta na rede do PBL1 e envia e recebe os dados necessários. Simplificando, temos a figura a seguir:



Nesse exemplo, temos 3 casas conectadas a PBL1, cada uma com uma velocidade diferente. PBL1 pode cobrar valores diferentes pelas conexões, pois bandas maiores presumem volume de tráfego maiores.

Fazendo uma analogia, imagine uma rodovia com 5 faixas distintas. 2 delas são oferecidas sem custo aos motoristas e possuem velocidade máxima de 60km/h. As outras 3 são oferecidas mediante pedágio, mas possuem velocidade máxima de 110km/h.

A relação entre os provedores

Na imagem anterior, eu coloquei uma seta com o tamanho da banda de PBL1 conectada na internet. Vamos expandir isso como na figura seguinte:



Nessa imagem, temos 3 provedores (PBL1, PBL2, PBL3), três Backbones (BB1, BB2, BB3) e uma empresa (E1).  Backbones são grandes provedores de dados que tipicamente fazem as interconexões entre os provedores. Os seus canais de dados são geralmente bem maiores, mais confiáves e, portanto, são mais caros. Não é incomum empresas de médio/grande porte pagarem por um canal a um Backbone exatamente por oferecerem um canal de melhor qualidade.

Voltando a analogia da rodovia, imagine que existam duas rodovias entre as cidades de Belo Horizonte e Itaúna. As duas possuem velocidade máxima de 110km/h, mas uma delas cobra pedágio porque faz manutenção com maior frequência. A rodovia mais bem cuidada permite que os motoristas trafeguem a maior parte do tempo na velocidade máxima.

Aqui, temos um cenário análago ao do usuário com o provedor: os provedores podem escolher se conectar a Backbones ou a outros provedores e pagar proporcionalmente ao tamanho e a confiabilidade do seu canal.

Por que faz sentido vender mais banda do que disponível

Vamos ver novamente a figura das casas conectadas ao provedor de banda larga, mas agora com um pequena diferença:


Notem que agora PBL1 possui um canal de 24 Mbps com a internet. No entanto, a soma das bandas contratadas pelas casas é de 32 Mbps. Isso quer dizer que se as três casas estiverem acessando a internet ao mesmo tempo, e assumirmos que o canal da internet é dividido igualmente entre as casas, apenas a casa com 7 Mbps atingirá a sua velocidade máxima. As outras duas atingirão no máximo 8.5 Mbps.

Voltando mais uma vez para a rodovia. Para que todos os veículos trafegando na rodovia consigam manter a velocidade máxima, o número de veículos não pode passar de um determinado limite. Acima dele, é perigoso manter a velocidade máxima e portanto os motoristas tendem a diminuir a velocidade para manter a segurança.

Na internet, ocorre a mesma coisa. Quando se quer transferir um arquivo qualquer (imagem, text, video, etc), esse arquivo é primeiro dividido em vários pedaços menores chamados pacotes. A quantidade de pacotes presentes ao mesmo tempo no canal é proporcional ao tamanho desse canal. Se tem mais pacotes que canal disponível, eles vão esperar ter espaço no canal para serem transmitidos e portanto a velocidade da transmissão vai ser menor.

Por que os provedores fazem isso? Pelo mesmo motivo das rodovias:
  1. É caro adquirir/construir/manter um canal maior;
  2. Na maior parte do tempo, o canal não é 100% utilizado.


Resumo antes de falarmos de neutralidade

  • Usuários pagam aos provedores de banda larga para terem acesso a internet.
  • O valor pago é proporcional ao tamanho da banda disponível.
  • Os provedores, por sua vez, pagam para se conectar aos outros provedores e aos Backbones.
  • A lógica de pagamento é a mesma, porém confiabilidade do canal é um fator tão importante quanto a banda disponível.
  • Os provedores tipicamente vendem mais banda que possuem porque:
    • É caro adquirir/construir/manter um canal maior
    • Na maior parte do tempo, o canal é 100% utilizado
Agora, vá para a segunda parte do post.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Petrobrás tem 32% de chance de falir: corram para as colinas!

Saiu em vários jornais a seguinte manchete:

Petrobras tem 32% de chance de falir, segundo consultoria americana. A consultoria norte-americana Macroaxis divulgou um estudo, cuja estimativa é mais elevada do que a média do setor, que indica que a probabilidade de a Petrobras de falir é de 32,4%, em dois anos.

A notícia original foi publicada no site da Forbes e usou como base o indicador de probabilidade de falência de uma startup de investimentos chamada MacroAxis. Esse startup usa uma variação normalizada da fórmula de probabilidade de falência desenvolvida pelo professor Edward Altman, publicada em 1968, chamada de Altman Z-score (que ele depois revisou e refez estudos com empresas mais atuais). Segundo a MacroAxis:

In a nutshell, companies with Probability of Bankruptcy above 90% are generally considered to be high risk with a good chance of bankruptcy in the next 2 years. On the other hand companies with Probability of Bankruptcy of less than 15% will most likely experience some growth in the next 2 years.

(tradução livre, feita por mim):

Resumindo, empresas com Probabilidade de Falência acima de 90% são geralmente consideradasRde alto risco, com grandes chances de falência nos próximos 2 anos. Por outro lado, empresas com Probabilidade de Falência menor ou igual a 15% possivelmente crescerão nos próximos 2 anos.

Esses limites de 15% e 90% são análogos (embora eu não faço a menor idéia de como se correlacionam) aos limites do Altman z-score, de 1.81 e 2.99. Os valores do meio representam uma "área cinza", onde existe um risco não-irreversível de falência.

O importante sobre essas fórmula é que elas modelam o quão semelhante uma determinada empresa é a uma empresa que entrou em falência, e não a chance real dela entrar em falência. Ou seja, no caso da petrobrás, ela é 32% semelhante a uma empresa que entrou em falência.

O Tijolaço aproveitou para testar a Vale, uma das maiores mineradoras do mundo e viu que a probabilidade de falência dela é de 59%.

No final das contas, isso quer dizer que a petrobrás vai falir? Que todas tem que vender as ações da empresa o mais rápido possível para não perder mais dinheiro? Bom, não sou consultor financeiro e entendo de pouco a nada sobre o mercado financeiro. Mas eu sinceramente não estou vendo por que há tanto estardalhaço com isso tudo.

Acho que a melhor forma de tirar suas próprias conclusões é acompanhar a trajetória da empresa, seja pelos jornais, pelo site do Investidor Petrobras ou pelo blog do Fatos e Dados da Petrobrás.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O preço do PS4 parte 1: O que a Sony nos disse sem nos dizer

No dia 17 de Outubro, a Sony divulgou o preço de venda do PlayStation 4 (PS4)  no Brasil: R$3.999,00. A reação na internet foi bem ruim (PS4000, anyone?), forçando a Sony a divulguar, no dia 21 de Outubro, um infográfico dos custos do console no Brasil, que eu reproduzo aqui:


Em suma, a Sony diz que 63% do valor de venda é culpa dos impostos. E que a margem de lucro combinada (distribuidor + varejista) corresponde a 22% do valor final.

Gente que entende bem mais do assunto do que eu, que refizeram cálculos e chegaram a preços finais bem diferentes, mostram o quanto a conta realmente é complicada. Por exemplo, alguns dos impostos são calculados usando o valor do custo. Outros levem em conta custo + margem de lucro.

Eu não sou contador nem advogado tributarista, mas esses valores me parecem bem estranhos. Para começar, o preço base usado foi o de valor de venda do PS4 nos EUA: US$399,00. Esse não é o valor de custo da PS4 nos EUA e é bem provável que não será o valor reportado pela Sony na importação.

Mas o valor mais interessante é a margem de lucro. Embora seja "apenas" 22% do valor final, essa margem é, na verdade, de 102% do valor do custo! Isso mesmo, a margem real da sony + varejista somados será de 102% e não de 22%, pois o custo integral dos impostos está sendo  repassado para os clientes!

Acho que todos concordam que os impostos no Brasil, além de serem altos, são bem complicados. Mas ao adicionar 100% de margem, os valores finais dos impostos deixaram o console ainda mais caro.

A Sony, ao divulgar esse infográfico, abriu uma janela para a argumentação de que o Custo Brasil está bem correlacionado com o Lucro Brasil.

Atualização (Out 30 - 15:37):

A discussão sobre esse post ficou bem interessante :) Quero aproveitar para agregar os pontos a ele.

300% de impostos???
O Eider Oliveira questionou a ênfase dado ao lucro e falou que se eu posso comparar o valor da margem com o custo e dizer que temos 100% de margem, eu deveria fazer a mesma coisa com os impostos e dizer que o valor é de 300% do custo.

Em primeiro lugar, esse é um blog de quebra de correntes. E uma corrente bastante comum é que impostos são os grandes e únicos culpados pelos altos custos de produtos no Brasil. Portanto, ao enfatizar o lucro, eu estou querendo quebrar justamente essa corrente.

Continuando, o número está correto, mas o que tem que ficar claro é que as alíquotas de imposto são sempre fixas (e nesse caso, a sony afirma que é 63% do valor final). Novamente, o cálculo é complicado mas se a Sony resolvesse colocar 1000% de margem, o percentual sobre o custo ficaria próximo dos 3000% mas continuariam próximos de 63% do valor final.

Como disse o Bruno Albuquerque, a Sony tem total controle sobre o lucro, mas não sobre as alíquotas do imposto. E como alguns dos impostos incidem sobre a margem, mais margem = mais valor absoluto de impostos.

Lucro x Receita
O Bruno Gusmão apontou para o fato que a imagem menciona margem, e não margem de lucro. Isso quer dizer que é bem mais provável que a margem esteja relacionada à receita e não ao lucro, pois além dos impostos, existem os custos operacionais como frete, folha de pagamento, utilidades (água, luz, telefone...) que não estão sendo mostrados no gráfico. Portanto, eu substitui todas as menções a lucro por margem.

É impossível saber qual o lucro real da Sony sem saber o valor dos custos operacionais, mas eu estou tentado a dizer que ainda é bem alto, já que a sony resolveu dar um desconto de R$258,00 no valor final e que com certeza sairá da margem.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Escritório de Luís Roberto Barroso, o novato, recebeu 2 milhões

Em tempos de julgamento de "mensalão", recebi essa corrente via twitter sobre o ministro Luis Roberto Barroso, também conhecido como "o novato":



EXTRATO DE INEXIGIBILIDADE
DE LICITAÇÃO Nº 103/2013 - UASG 910809
Nº Processo: IN-011-3-0103 . Objeto: Contratação de serviços de consultoria jurídica na celebração do compromisso arbitral com relação aos pleitos do CETUC no âmbito do Contrato SUP2.0.5.2000. CI de Caracterização: CI - PCJ - 396/13, de 29.07.13. Parecer Jurídico: CI - PCJL - 656/13, de 29 .07.13. Aprovada pela RD -0400/13, de 06.08.13. Total de Itens Licitados: 00001 . Fundamento Legal: Art. 25º, Inciso II da Lei nº 8.666 de 21/06/1993. . Justificativa: Contratação de serviços tecnicos especializados em arbitragem. Declaração de Inexigibilidade em 29/07/2013 . ANDREI BRAGA MENDES . Consultor . Ratificação em 06/08/2013 . JOSIAS MATOS DE ARAUJO . Presidente . Valor Global: R$ 2.050.000,00 . CNPJ CONTRATADA : 39.093.331/0001-59 LUIS ROBE RTO BARROSO E ASSOCIADOS- ESCRITORIO DE ADVOCA.
(SIDEC - 09/08/2013) 910809-00001-2013NE458001

A intenção da corrente é colocar em dúvida a isenção do ministro ao dar o seu voto a favor dos embargos infringentes, ponto sendo discutido no julgamento do mensalão. O fato do escritório ter conseguido esse montante sem a necessidade de licitação parece ser ainda mais comprometedor para o ministro.

Bom, em primeiro lugar, não existe nada de ilegal nessa contratação. A Lei das Licitações (inclusive mencionada no extrato de inexigibilidade) permite a contratação de serviços jurídicos sem a necessidade de licitação.

Em segundo lugar, como informado na nota explicativa do escritório, Luis Roberto Barroso não é mais sócio do escritório desde 20 de Junho, 6 dias antes da sua posse como ministro:

No dia 20 de junho foi assinada a alteração do contrato social com a saída do Professor Luís Roberto Barroso da sociedade. A alteração foi registrada na OAB no dia 08 de julho de 2013. Em seguida solicitou-se a mudança da razão social junto à Receita Federal que passou a ser Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados – Escritório de Advocacia. 
O contrato em questão foi celebrado em 19 de agosto de 2013 entre a Eletronorte e o escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados – Escritório de Advocacia, em função da notória especialização da Professora Carmen Tiburcio, sócia do escritório e especialista em arbitragem. A Professora Carmen já prestou serviços especializados a empresas do grupo Eletrobras em outras oportunidades no passado. 
A indicação, na publicação do Diário Oficial, da antiga razão social decorreu da tramitação interna da própria Receita Federal que ainda não havia efetivado a alteração solicitada. 
Permaneço à disposição para prestar outros esclarecimentos que sejam necessários. 
Atenciosamente, 
Rafael Barroso Fontelles
Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados – Escritório de Advocacia
Rua Tenente Negrão nº 90 – 6º andar, Itaim, São Paulo – SP, CEP 04530-030
Tel: (11) 3078-8589

Ou seja, dizer que o ministro tenha se beneficiado dessa transação seria acusá-lo, sem provas, de tráfico de influência.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Médico demitido por causa do Programa Mais Médicos?

Vi essa imagem no perfil de uma amigo hoje, acompanhado da seguinte mensagem:

DILMENTIRINHA....

Eis que você está trabalhando numa prefeitura do interiorzão do Brasil, onde o governo Dilma diz que “nenhum médico brasileiro quer ir”, e recebe um comunicadozinho “simpático” desse rescindindo o seu contrato de forma abrupta, sem preocupação com a sua situação de chefe de família, de pai, de mãe...
Demitir médicos para dar lugar aos cubanos? Como assim???
Eis aí a verdadeira face deste programinha mentiroso do governo do PT.
O programa "Mais Médicos" tinha por fim contratar médicos para regiões em que não há médicos, e não para substituir médicos já contratados. Afinal, é "mais médicos", e não "outros médicos"...
Mais uma arapuca da presidAnta Dilmentirinha...


Essa imagem parece ser autêntica e os dados encontrados no Datasus corroboram a existência de um médico chamado Luccas Salvador Salomão que trabalha (ou trabalhava) em São Gabriel da Cachoeira. E sim, o município foi selecionado para receber um médico do programa nessa primeira etapa.

Infelizmente, no momento dessa postagem, a última atualização feita ao sistema foi no dia 9 de Agosto, 3 dias antes do comunicado recebido. Portanto, ainda não é possível garantir que esse comunicado seja verdadeiro. Atualizarei o post quando o sistema for atualizado

Assumindo que o comunicado seja verdadeiro, existe uma informação relevante no site da Datasus: a data de atribuição do Médico foi dia 11 de Maio de 2013. Até 12 de Agosto 2013 se passaram 93 dias. Minha hipótese é que ele foi demitido dentro do período de contrato de experiência. A razão da demissão permanece uma incógnita, mas seria preciso ouvir os dois lados para ter certeza.